Após passar um ano na Itália fazendo um pós-doutorado algumas pessoas me perguntaram pessoalmente ou pelas redes sociais como é a carreira acadêmica na Itália.
Ouvi também várias vezes perguntas do tipo: “porque você não fica na Itália? O professor supervisor do pós-doutorado me perguntou pelo menos umas três vezes se eu tinha certeza que não queria continuar por lá rs… enfim! Vou explicar um pouco como funciona a carreira acadêmica por lá e porque não fui de vez. Colegas, podem ficar tranquilos 😉
Antes de falar sobre a Itália vou situar primeiro como é a realidade do Brasil – deixando claro que falo da realidade que eu conheço! Claro que podem ter outras oportunidades que não comentei e para isso peço que deixem comentários!
Atualmente, de forma bastante resumida, após realizar um curso superior, existe a opção de realizar pesquisa através da formação de Mestrado seguido de Doutorado. Durante essa formação podem existir contratos no formato de bolsa de estudos que auxiliam a realização de pesquisa que requer muitas horas de dedicação para ser completada. Durante a graduação existe também possibilidade de participar de programas de iniciação científica com bolsa ou como voluntário. Algumas empresas também fazem parcerias com as Universidades para financiar pesquisas mas atualmente a maior parte do financiamento é público. O cargo de pesquisador não é muito difundido mas existem centros de pesquisa que contratam pesquisadores de diversas areas. De forma geral, a maior parte da pesquisa no Brasil é feita por Professores e estudantes dentro de Universidades e Institutos conforme o link abaixo:
Na Itália existem também as bolsas para a realização da pesquisa durante o doutorado mas já existe uma diferença inicial com relação ao Mestrado. Por lá, o mestrado é muitas vezes considerado parte da formação e muitos fazem a “laurea trienale” que são 3 anos de formação básica que já garante um título. Correspondente no Brasil aos cursos de ciclo básico como formação em “Ciências Exatas”, por exemplo. Mas como é pouco tempo, de forma geral a maioria dos alunos italianos fazem também a “laurea magistrale” que são mais 2 anos de pesquisa, provas e escrita de uma tese. Então por lá praticamente todo mundo tem mestrado.
Após ter feito um doutorado na Itália, existe a possibilidade de trabalho como Ricercatore A (pesquisador A). A vaga é aberta pela própria Universidade e a pessoa interessada se inscreve e participa do processo seletivo. Esse tipo de vaga geralmente dura 3 anos podendo ser prorrogado por mais 2. E existe um limite de tempo em que uma pessoa pode trabalhar como Ricercatore A, que são 9 anos. É comum uma pessoa terminar os 5 anos e passar em outra seleção do mesmo tipo. Esse pesquisador é obrigado a ensinar uma disciplina por ano (total de 90 créditos por ano se nao me engano). Que sonho para jovens professores/pesquisadores no Brasil que ensinam muito mais horas que isso por semestre…
Depois disso, a continuação da área acadêmica por lá implica buscar uma vaga como Ricercatore B (pesquisador B), que também tem duração de 3 anos e também inclui um determinado número de créditos de ensino que é um pouco maior do que o pesquisador A (algo em torno de 120 créditos por ano que continua sendo um sonho para quem quer trabalhar com pesquisa por aqui). A vaga também é aberta pela própria Universidade, no entanto, geralmente para poder se inscrever, o pesquisador deve primeiro passar por uma avaliação nacional chamada “Abilitazione Scientifica Nazionale“. Não é obrigatório que já tenha passado para se inscrever, mas na prática só é chamado para Ricercatore B quem já passou nesse exame nacional. Pois, nessa vaga depois de 3 anos, de acordo com o desempenho do pesquisador, este pode ser chamado para fazer parte do quadro permanente como Professor da Universidade adquirindo estabilidade. Pode demorar muitos anos para chegar a ter estabilidade se pensar que sao no mínimo 3 como pesquisador A e 3 como B e na prática acabam ficando uns 5 anos como A podendo passar em outra seleção ainda como A até conseguir aprovação na prova nacional para pleitear a B…
Sobre a “Abilitazione“, é uma avaliação feita por área e o pesquisador pode se inscrever para ser avaliado em quantas áreas quiser. Cada área tem seus critérios definidos e para ser avaliado deve alcançar 2 dos 3 requisitos principais que são basicamente métricas de publicações: número de publicações em revistas científicas da área escolhida, número de citações e fator h. O valor necessário para cada uma dessas 3 métricas é definido por área então é importante conferir antes de se inscrever.
Sobre as perguntas iniciais, eu nao fui com intenção de me mudar pois já tenho estabilidade no Brasil por ter sido aprovada em concurso público como professora e acredito que tenho muito a contribuir por aqui 🇧🇷 E, por isso, apesar de ter amado morar na Itália 💚❤️🤍 🍕 não trocaria a estabilidade que já alcancei nesse momento para seguir todo o percurso que expliquei nesse texto.
Acredito que essas informações podem ajudar quem está começando a carreira e tem vontade de morar na Itália. Pode ser que alguns detalhes informados nesse texto mudem com o tempo então se estiver lendo muito tempo depois do que foi escrito melhor conferir! Cada país tem suas regras então se tem vontade de trabalhar com pesquisa em outro país que não seja a Itália é importante conhecer para se preparar de acordo. É totalmente possível competir com quem já está lá desde que também conheça as regras.
Referências:
[1] https://www.deviante.com.br/noticias/quem-faz-pesquisa-no-brasil/
[2] https://abilitazione.miur.it/public/index.php